09 Nov 2009 @ 9:30 AM 

Anjo e DemónioImaginarmos um confronto entre estes dois “adversários”, será imaginarmos um jogo onde sempre haverá um único e previammente conhecido vencedor.

Ainda na sequência do raciocínio sobre a ética, e complementando aquela ideia, podemos verificar que um dos conflitos que mantemos acesos em nossa mente, diz respeito ao confronto dos interesses na manutenção de nossa vida enquanto indivíduo que pode ser contraditória com a manutenção de nossa vida enquanto espécie.

Creio mesmo, mas esta é somente a minha opinião sem provas científicas para a sustentar, que é este conflito que melhor nos carateriza enquanto seres, e é um dos aspectos da natureza humana que mais é estudado, embora sem ser visto desta forma.

Posso explicar melhor: já falamos sobre eu (ego), superego e ID, lembra-se? Já falamos também, na mesma conversa, sobre aquela imagem muito popular do anjinho e do diabinho falando ao mesmo tempo, um em cada ouvido, lembra-se?

Estas são imagens que demostram a dualidade contraditória entre o indivíduo e a espécie, em minha opinião. Mas, por que contraditória? Acredito que a resposta a esta questão seja simples.

Temos um único desejo básico, o de viver. Para nos mantermos vivos temos que, antes de mais nada, nos alimentar com água e com os nutrientes retirados dos alimentos de origem animal ou vegetal. Se a água é a origem da vida e os animais e vegetais ambos tem vida, para mantermos a nossa própria vida temos sempre que retirar vida a alguma coisa.

Se levarmos esta ideia a extremos, perceberemos que nós próprios somos alimentados e alimentos para a manutenção da vida, como um todo. Milhares de milhões de seres humanos já passaram por nosso planeta e consumiram milhares de milhões de outras vidas para manterem-se vivos. Porém, estes milhares de milhões de vidas humanas também já se foram e quando morreram transformaram-se em outras coisas, através da alimentação de outros seres vivos. Transformaram-se todos eles em outras vidas. Atenção, não estou a sustentar a teoria da reencernação, mas tão somente a da manutenção, adaptação e transformação da vida de uns seres em outros, como fazemos diariamente ao consumirmos seres com vida para nos alimentarmos.

Ao analisarmos a vida sobre este ponto de vista, verificamos que nós somos mesmo até egoístas (olho o ego aí) ao protegermos nosso corpo para que não sirva, visualmente, de alimento a outros seres vivos. Mesmo enterrando nossos corpos, eles serão reutilizados, mas nós não vemos isto acontecer, o que nos afasta da consciência que carregamos por toda a vida, e que nos angustia, de que morreremos um dia. A atitude mais egoísta neste sentido seria mesmo a cremação, por tentarmos destruir todas as células de nosso corpo para que não sirvam para mais nada. Apesar de passarmos a vida toda a consumir vida para vivermos, ao final não queremos servir a vida. (Será isto eticamente correto?)

Mas, voltando ao assunto, ao consumirmos alguma vida para vivermos, estaremos sempre fazendo duas coisas: retirando vida a esta coisa e impossibilitando a outro indivíduo de nossa espécie que consuma aquilo que nós consumimos.

Se existe muito para consumir, isso não faz diferença. Porém, se há escassez dos recursos a serem consumidos por um agrupamento social (nem que sejam apenas de duas pessoas), já temos que considerar a quantidade de nosso consumo em benefício de duas entidades: nós, enquanto indivíduos, e nós enquanto grupo. E esta sensação é contraditória por natureza. Se por um lado nosso desejo de viver individual (nosso ID, o diabinho, o Yang) nos impele a consumir o máximo de nutrientes que precisamos para viver, por outro lado o nosso desejo de viver enquanto espécie (nosso superego, o anjinho, o Yin) nos impele a partilhar os recursos.

Temos que conviver com esta angustia porque mesmo o nosso desejo básico é duplo, dualista, contraditório. Somos singular e plural ao mesmo tempo. Nossa vida individual é muito importante para nós próprios, mas irrelevante para a espécie. Sob este segundo ponto de vista, somos apenas mais um, mas para nós um “um” único, especial, por sermos nós.

Mas se pensarmos no que somos feito e no que mantém as nossas vidas, veremos que a unidade não está em nós nem em nossa espécie. A unidade está na célula que, ao se combinar com outras células, compuseram toda a vida, inclusive a nossa.

Nós somos, na realidade e enquanto indivíduos, uma enorme rede social composta por cerca de 100.000.000.000 (cem trilhões) de células, compostas na maioria por água (85%), que se combinam de uma forma única em nossos corpos e para a qual damos um nome, uma identidade, uma aparência, um estilo, etc..

Mas cada uma de nossas células, elas próprias envolvidas em seu ciclo infinito de vida e morte, é descendente de uma outra, original, nascida a partir da combinação do ovo de nossas mães com o espermatozoide de nossos pais, que combinados, em suas estruturas básicas, o ADN, fizeram surgir a célula do indivíduo que nós somos.

Este nosso ADN particular presente em todas as nossas células é que é o nosso verdadeiro eu (ego). Deveria servir de base a constituição de outras vidas, perpetuando o ciclo, alimentando-se de outras células, de outros seres vivos e de água. E segue em frente e morre e… segue em frente. Indiferente a nós próprios, o que nos angustia, mas fortemente ligados a nossa coletiva tarefa de fazer a vida existir, o que nos faz feliz.

Este dinâmico moto-contínuo, infinito, do qual somos apenas uma pequena parcela, deveria ser determinante na constituição de nossas personalidades. Porém, por sermos pequenos inclusive em nossas visões do mundo, não chegamos a perceber toda esta sinfonia de vida e morte. Vemos apenas a nós próprios e sentimos os nossos desejos individuais, nosso desejo de viver e nosso medo de morrer. É pouco.

Viemos a vida cegos, de corpo e alma. Cabe a nós próprios, ao longo do tempo que durar a nossa vida, abrirmos nossos olhos para toda a perspectiva para vermos todo o enorme quadro que a vida pinta diariamente há milhões de anos. É difícil, é certo, mas no caminho encontramos coisas (isa) belas, outras nem por isto.

Mas no final, acredito, sabermos que não acabamos ali, pois somos continuidade da própria vida, nem que seja em outra espécie, é, pelo menos para mim, mais reconfortante e real do que as ilusões mitológicas que nada mais fazem do que tentar atenuar a aparente crueldade deste ciclo de vida e morte.

Posted By: Edgard Costa
Last Edit: 26 Nov 2009 @ 10:45 PM

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Categories: Pensando alto


 

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