09 Nov 2009 @ 12:38 PM 

Sofrimento“No programa messiânico de Cristo, que é ao mesmo tempo o programa do reino de Deus, o sofrimento está presente no mundo para desencadear o amor, para fazer nascer obras de amor para com o próximo, para transformar toda a civilização humana na « civilização do amor »” (Papa João Paulo II, Carta Apostólica Salvici Doloris, 11 de Fevereiro de1984)

Numa longa carta escrita em 1984, ano escolhido pela igreja católica como ano da redenção (salvação), o Papa João Paulo II fala sobre diversos aspectos do sofrimento, humano e não só. Fala das ciências humanas para alívio dos sofrimentos, e cita a medicina como uma ciência incompleta pois alivia apenas parte dos sofrimentos e dores dos humanos. Mas fala isto tudo para concluir que o sofrimento humano é uma característica intrínseca deste ser, que o sofrimento existe para desencadear o amor, amor das obras de amor e caridade feitas pela Igreja, que seria o agente construtor da civilização do amor.

Esta carta resume a doutrina da igreja católica onde o sofrimento humano, contra a vontade de Deus, seria uma consequência do mal provocado pelo pecado original de Eva, que uma vez libertado e disseminado por aquela mulher, tal como Pandora (e de certa forma Lilith), atingiu a todos os seres humanos, passando ele, o sofrimento, a ser uma realidade intrínseca deste ser, particularmente da mulher que seria condenada a ter, para além do prazer no ato de amor, também o sofrimento no ato do nascimento, tentando-se explicar assim a contradição entre o prazer sexual e o sofrimento da dor do parto, por exemplo.

Indubitavelmente esta é uma visão filosoficamente pessimista, para além de ser machista, onde o amor só existe porque existe um sofrimento original, e que teria sido provocado pela mulher. Concordando com outros filósofos pessimistas, como Shopenhauer e Nietzsche, a Igreja Católica vê o ser humano como um ser em sofrimento e que precisa ser salvo dele para atingir a felicidade.

Uma das mensagens mais fortes da filosofia cristã diz que mesmo que um humano não consiga ser salvo de seus sofrimentos durante a vida, se durante esta só praticar o bem e perdoar aqueles os quais o faz sofrer (“perdoai-nos as nossas ofensas, assim como perdoamos a quem nos tem ofendido”, deveria ser uma frase repetida todos os dias por nós próprios), seria salvo, obteria a redenção, porém depois de sua morte. Diz ainda, como era de se esperar, que somente eles, da igreja, é que podem redimir dos pecados, geradores do sofrimento.

É bonita a mensagem, sem dúvida. A utilização de um factor negativo de nossas vidas como um elemento construtor de factores positivos é uma prática saudável, em todos os sentidos. São exatamente nos momentos de sofrimento que aprendemos mais coisas e isto contribui de forma determinante para nosso aprendizado. Mas não é despretensiosa, infelizmente. Muitos humanos, sobretudo homens, enriquecem financeiramente a custa da exploração religiosa do sofrimento das pessoas, vendem a salvação, e com isto eu não posso concordar. Há um livro fabuloso, que também já foi filme, sobre este assunto chamado “As Sandálias do Pescador”, do escritor australiano Morris West, e que de certa forma antecipa a história do polonês Karol Wojtyla, quando este foi eleito como papa, e passou a se chamar João Paulo II.

Discordo completamente desta visão pessimista. Como já disse, só a satisfação de nosso desejo básico de estar vivo já é o suficiente para nos fazer feliz e este é um estado perpétuo, enquanto durar a nossa vida. Os fatores que nos provocam sofrimento como a dor, a angústia e a frustração, nos desviam do sentido normal da felicidade.

Acredito mesmo que há nestas palavras do falecido Papa uma inversão do sentido natural da vida: não é o sofrimento que faz desencadear a felicidade nem o amor, mas exatamente ao contrário. Qualquer factor que perturbe nosso estado natural de felicidade, e nos frustre o amor, é que nos provoca o sofrimento. Acontece é que em determinados lugares, e/ou em momentos históricos, o sofrimento dos humanos supera em muito a capacidade inata de sermos felizes.

Pense nas famílias inteiras que morrem de fome no mundo de hoje, a razão de 70 por minuto. Pense nos europeus durante a 2ª Gerra Mundial. Pense nos escravos negros africanos sequestrados de seus países para trabalhar se Sol a Sol por obrigação num país estrangeiro, sem a possibilidade física de poder retornar para casa. Pense nos pobres sobreviventes do império romano, assolados por constantes invasões de tribos inimigas que lhes restringia a vida individual e a procriação. Pense nos motivos que fizeram estas pessoas construirem as fortalezas dos castelos e para dentro dele irem viver. Sofredores isentos de motivos de felicidade, sobre os quais uma pequena palavra de esperança já era o suficiente para lhes fazer felizes.

Seja uma doença, a insatisfação de uma necessidade, a ausência de um outro ser humano querido, afastado pela morte ou outro motivo qualquer, a presença de outros seres humanos não desejados, adversos, a ausência de perspectiva de sucesso a curto prazo, a aproximação de momentos em que seremos testados quanto as nossas possibilidades reais de obter sucesso na vida, os insucessos em tarefas a que nos propusemos fazer, entre outros, são todos fatores que nos prejudicam a felicidade, por nos proporcionar angústia, sofrimento.

Visto por este ponto de vista, é até fácil sermos felizes. Basta que não criemos situações que nos coloquem em sofrimento. Há alguns momentos em que isto não é possível, como no caso das doenças, mas há muitos outros momentos de sofrimento, que somos nós mesmos que criamos. Inveriavelmente por pequeninas razões, tais como a ganância, por exemplo.

Há, ainda aqueles que sofrem por nada fazer para atenuar o sofrimento de outras pessoas, os altruístas, os filantropos, porém há ainda aqueles que sofrem com a felicidade de outros, os invejosos. Há aqueles que sofrem de amor e há os que sofrem de ódio. Sempre há dois lados e isto é causado pela energia que nos mantém vivos que tem duas cargas, positiva e negativa. Mas isto já será assunto de outro postal.

Não defendo uma abstenção de todas as outras necessidades e desejos, julgando ser isto que provoca o sofrimento, como Buda fez (também falaremos dele noutros postais). Defendo sim que a manutenção do equilíbrio entre o desejo e a possibilidade de sua satisfação é que nos faz feliz, o que não deixa de ser uma gestão inteligente de recursos.

Defendo sim que é a presunção, a crença, o excesso de ambição que nos levam ao sofrimento. Defendo que é o amor e o desejo por aquilo que temos agora, no mínimo a nossa vida, é que nos faz sermos felizes. Defendo que o desejo de conquistar aquilo que não temos é o que nos faz infeliz. Defendo que a conquista de nossos sonhos deve ser uma atitude realista, por isto deveríamos escolher no que sonhar, circunscrevendo nossos planos de conquista ao que realmente está ao nosso alcance e não faz os outros sofrerem.

Normalmente, quando nos sentimos frustrados, deixamos de olhar antecipadamente para os nossos limites reais, que nos impedem de atingir ao objetivo imaginário, inatingível. E culpamos a agentes externos pelos insucessos. Culpamos ao destino, ao azar, a Deus ou ao Diabo, mas esquecemos que quem não atinge ao objetivo somo nós. Se não o atingimos é porque não fomos capazes. Esquecemos que somos nós próprios que criamos, pela falta de ação positiva, nossos limites.

Os limites são para serem ultrapassados, é este o nosso desafio e é esta a razão de nossa vida. Gerações e gerações de seres vivos vem, desde a milhões de anos, desenvolvendo a vida num sentido positivo, cada vez melhor, nos adaptando as condições da natureza dentro das quais vivemos. Cabe a nós, cada um dos indivíduos que compõem uma espécie, cumprir o papel de agente construtor de um futuro melhor. E isto passa necessariamente por conhecermos profundamente a nossa gigantesca obra, feita no sentido de mantermos e ampliarmos a vida. Os que não perceberem isto serão simplesmente postos de parte e se extinguirão. É esta a lei primária da vida. O resto, todo o resto que a fabulosa imaginação humana criou para amenizar o árduo trabalho rumo ao sucesso da vida, não passa disso mesmo, imaginação. Nada mais é que a vontade humana de facilitar e justificar as dificuldades por que passamos para nos mantermos felizes, vivos. Mas não adianta, temos que lutar, trabalhar e sermos melhores que os que já o fizeram antes de nós. E ainda temos que dar uma ajudinha a natureza afim de expurgarmos, pelo menos de nosso caminho, todos aqueles que tentam nos desviar de nosso destino de sucesso. Deixem-nos de lado, pois a natureza se encarregará de os extinguir.

Há na História muitos casos de imbecis aos quais foi dado crédito. Erramos por vezes. Mas se conhecermos bem estas histórias, já não repetiremos os erros do passado. E é por isto que temos que aprender com o passado de nossa espécie: para não erramos novamente, que é para não termos que reviver sofrimentos antigos. Já chegam os nossos de hoje.

Posted By: Edgard Costa
Last Edit: 09 Nov 2009 @ 01:28 PM

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Categories: Pensando alto


 

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