14 Ago 2009 @ 9:03 AM 

Gibson Les Paul Standard

Hoje, 13/08,  morreu um símbolo de minha paixão. Nossa vida é repleta de paixões. Apaixonamo-nos até mesmo por outras pessoas! Mas na maior parte do tempo apaixonamo-nos por coisas, ideias, imagens formadas em nossa mente do que imaginamos ser aquilo ou alguém.

Desde que tenho lembrança de fortes paixões, lembro-me dela. Clara, lisa e macia. Lembro-me de todas as curvas de seu corpo e de como me imaginei a acariciar-lhe. Partindo dos dedos de sua mão, deslizando suavemente ao longo de seu braço, parando por vezes num ponto qualquer, atendo-me num detalhe, tentando perceber o significado dos gemidos que ela produzia quando variava a intensidade, ou a velocidade, das carícias de meus dedos. Punha-me lentamente a caminho da concavidade que me levava ao interior de seu corpo. Aproximava-me de um de seus pontos mais sensíveis, onde seus gritos se tornavam mais altos e agudos, e suas reações mais femininas. E voltava ao início. Punha-me de novo a caminho de seu corpo. E ela gritava, gritava, gemia, chorava e cantava …

A primeira vez que me impressionei por seus atributos, seus gritos, seus sons, sua suave agressividade sonora, foi em 1970. Tinha eu apenas 9 ou 10 anos de idade quando ela me chamou a atenção. Ainda não sabia quem era ela mas quis imediatamente saber. Tentei descobrir-lhe o nome e soube que se chamava Gibson. Mas não só. Não uma Gibson qualquer. Era conhecida entre as outras Gibsons como Les Paul. Primeiro imaginei que seu nome fosse uma homenagem ao membro de uma outra de minhas paixões. Mas depois descobri que não. Que afinal homenageava outro homem.

E foi este homem que hoje morreu. Chamava-se simplesmente Les Paul, apesar de ter nascido Lester William Posfuss e tinha 94 anos pelos vistos, muito bem vividos.

Eu mesmo vivi grande parte de minha vida em torno das invenções deste homem genial, que para além da guitarra elétrica de corpo sólido, inventou também a gravação magnética em multi pistas, levando a gravação dos discos de guitarristas que utilizavam os seus inventos, a um infinito criativo que veio a desembocar num The Dark Side of the Moon, do vigoroso adepto da Les Paul, David Guilmour, por exemplo. Poderia ainda falar no tal outro Paul, o McCartney ou do George Harrison (aperar deste último ser mais adepto dos modelos acústicos da Gibson, muito semelhantes a enorme Gretsch que utilizava no início da carreira, da mesma forma que John Lennon), sem me esquecer do Pete Towshend, Jeff Back, Frank Zappa, Mark Knopfler ou do Slash, entre outros.

Mas para homenagear a morte de Les Paul, pus-me a ouvir, mais uma vez de forma compulsiva, aquela que é pra mim a grande obra prima da utilização sublime de todas as potencialidades de uma Les Paul. Pus-me a ouvir Since I’ve Been Loving You, onde o Jimmy Page mostra ao mundo o que era possível fazer com aquele instrumento fabuloso.

Led ZeppelinOuvi hoje, da mesma forma que já fizera aos 10, 11, 12, 13, 14, 15 … anos, aquela música pelo menos umas 30 vezes, que é o número necessário de vezes que preciso ouvi-la para satisfazer o meu insaciável desejo de prazer musical.

E, passados 40 anos, continua a ser um blues arrasador, onde todos os músicos se entregam de corpo e alma na interpretação sublime de uma canção sem igual. A gravação em estúdio, certamente utilizando um gravador multi pista, é um delicado minueto para voz e Les Pau, onde o guitarrista inglês ultrapassa a qualidade e o bom gosto na seleção e aplicação dos acordes. Desde as cinco notas iniciais, que Page já utilizara nos Yardbirds anos antes, ao solo, para mim, nunca igualado, esta música é, inequivocamente, um dos maiores clássicos dos anos 70 e faz de Jimmy Page um dos maiores artistas que se exprimem através de uma Les Paul. Mereceu inclusive um modelo que se chamou Jimmy Page Les Paul. Pouca coisa?

E foi assim que me apaixonei irremediavelmente pela primeira vez na minha vida. Apaixonei-me de uma só assentada pelo Led Zeppelin, pelo Robert Plant, pelo Jimmy Page, pelo Rock e por aquele magnífico instrumento musical.

Tão decisiva esta paixão, me incentivou a estudar, trabalhar e ganhar dinheiro. É que para um brasileiro de classe média em 1970, uma Gibson Les Paul tinha o preço de uma Ferrari aos meus olhos de hoje. E eu sempre quis ter uma. Em 1975, aos 15, já trabalhava nas horas vagas e aos finais de semana numa loja de disco, a Crazy Sound, perto do meu colégio, Andrews na praia de Botafogo. Aos 17 fui trabalhar numa editora, a EMI/Odeon.

Aos 19 consegui atingir ao meu objetivo: comprei uma Gibson Les Paul com o corpo rajado, cor de madeira, parecia um felino. Magnífica. Foi realmente um dos maiores tesões que já tive (desculpem-me as 3 esposas) e passei com ela alguns dos melhores momentos de minha vida.

Andávamos junto para todos os lados. Sempre que eu podia exibia sua beleza e minha destreza a ouvintes cansados. Sem sentir o que eu sentia, aquilo parecia sem sentido, uma mera masturbação. Eles também queriam senti-la, mas eu não deixava. Morria de ciúmes dela. Passava-lha a flanela assim que alguém lhe tocava um dedo. Aquilo era a minha vida.

Foi … como tudo, foi a minha vida eterna naqueles instantes. Depois, ficou colocada de lado. Já não me despertava a atenção e o interesse. Acabei por vendê-la e, por incrível que pareça, até ganhei algum dinheiro com nossa separação. Apaixonei-me por outras coisas. Entraram as mulheres em minha vida e minha carreira promissora de guitarrista foi-se, bem como algum dinheiro.

É assim. Sempre foi assim. E no final morremos, como hoje o Les Paul. Tenho com ele, acredito, um grande ponto em comum: adoro viver. Mesmo que o tempo passe e produza caricaturas de nossas juventudes, a mémória me impede e me recuso a deixar de me apaixonar (na e) pela vida.

PS: Ao clicar na imagem da guitarra lá acima, pelo menos no Firefox de minha paixão Fedora, abre um outro separador com uma daquelas visualizações psicodélicas que, bem observada e ao som da gravação original da música, podem te levar numa viagem até aos anos 70. Boa viagem.

Led Zeppelin Since I’ve Been Loving You (version live 1994) – kewego
Tout simplement une des plus belles chansons de l’histoire du rock. Magistral.

Posted By: Edgard Costa
Last Edit: 14 Ago 2009 @ 11:52 AM

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Categories: Memórias


 

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